Budismo: um caminho sem dobras!
“Ser feliz é simples. Difícil é ser simples.”
– Provérbio Zen
Dia desses, contemplando alguns ensinamentos que recebi de meus mestres, deparei-me com uma questão que agora compartilho neste espaço: já se perguntaram sobre o que é a “simplicidade” de que tanto se fala no universo do Buda?
Veja lá, é uma questão no mínimo inusitada, já que falar do simples é algo complexo, não?
Pois bem. Pense na etimologia do termo. ´Simples´ vem do latim sim-(a mesma partícula encontrada em singular e sincero) e plex- (aquilo que se dobra). Ou seja, simples é aquilo que não tem dobras, que não esconde nada, algo sem uma parte oculta. Legal, não é mesmo?
Agora, associe a um contexto filosófico, como o dos estudos do Dharma.
Percebo que as maiores dificuldades de entendimento que os alunos em geral apresentam estão diretamente relacionadas a uma não–aceitação da simplicidade do caminho budista.
É isso mesmo. Tão acostumados a questionamentos às vezes formatados, enlatados demais e até mesmo sem qualquer sentido, ficam à espera de algo super místico ou metafísico ao extremo. Além disso, confundem simplicidade com pobreza, humildade com subserviência e alegria com euforia.
Para esses – e me desculpem desapontá-los – é necessário advertir: não encontrarão nada disso na trilha de Sidarta.
Nossa natureza iluminada não tem “dobras”, como ensinou o grande mestre realizado Dilgo Khyentse Rinpoche:
“O vento sopra pelo céu e voa pelos continentes sem jamais assentar em lugar algum. Ele varre o céu, sem deixar absolutamente nenhum traço. Deixe que os pensamentos passem pela mente do mesmo modo, sem deixar nenhum resíduo kármico e jamais alterando sua realização da simplicidade inata.”
“Simplicidade inata”, entendeu? O caminho do Dharma é assim: transparente, inequívoco e voltado, basicamente, aos estudos da mente – algo universal em termos culturais, já que a mente é a mesma aqui, em Brasília, em Dharamsala, em São Paulo, em Barcelona ou em Paris.
E, para piorar a situação daqueles que se chegam ao Caminho cheios de expectativas e/ou ansiedades, os estudos que envolvem essa senda não oferecem a realização ou a iluminação como um “presente a alguns afortunados“ ou “escolhidos”; para se chegar a algum lugar, para se avançar no Caminho, é preciso praticar diariamente, arduamente, insistentemente, a meditação e a compaixão. Sem se esconder de nada, nem de ninguém; ou seja, sem se esconder de si mesmo.
Talvez porque confundam simplicidade com algo superficial, creem que haja algo escondido, em alguma nota de rodapé, ou alguma “pegadinha” que os Lamas guardaram para um momento preparado. Balela. Não há pegadinha, não há nada oculto e dá até para, no limite do raciocínio, afirmar que nesse caminho “até o inconsciente está exposto”.
Decorre disso que, na hora de se sentar e praticar, no momento de encarar o zafu e as muitas vozes que habitam todos nós, alguns alunos simplesmente “não dão conta”. E desistem. E se frustram. E mais uma vez seguem sem destino, buscando fora algo que só encontrarão quando decidirem, assim como Gautama, enfrentar a si mesmos.
Para encerrar, talvez seja útil resgatar a “louca sabedoria” do mestre Chögyan Trungpa, ao dar ensinamentos sobre “o caminho sagrado do guerreiro”:
“A realidade do mundo é algo mais do que o estilo de vida que o mundo moderno abraçou. O prazer foi barateado; a alegria, reduzida; a felicidade foi computadorizada. O objetivo da habilidade do guerreiro é se reconectar com o agora da realidade, para que você possa avançar sem destruir a simplicidade; sem destruir sua conexão com esta terra.”
Sem destruir a simplicidade, sem tornar “complexo” (cum+plex, com dobras) algo que é simples (sem dobras). Esta é a meta!
Não se engane. Viva o Caminho. Sente-se, pernas cruzadas, espinha ereta, algumas respirações profundas e voilá: a mágica acontece!
Sem aviso, sem pegadinha, sem truques, sem dobras. Simples. Como é a vida. Ou como deveria ser!
2 Comentários
Simplificar! Ser simples como Jesus o foi! E ao mesmo tempo ser único em meio a tantos iguais! Isso apenas por simplificar! Meditar, orar , encontrar nossa inspiração em nosso próprio eu, o qual, por si só, já é divino, mas parece ser “aplacado” por nós mesmos com a correria do dia a dia! Então, meditemos, reflitamos! E “voilá”, a mágica acontece…” Excelentes textos, meu amigo! Inspirada já! Animada com o aprendizado e grata por essa partilhar de sua iluminação conosco! Ana!
Fico feliz que tenha se conectado com os textos de alguma forma, querida.
Estou muito feliz com sua presença.
Seguimos! Sem dobras, com fé e entusiasmo!