Meditação: por que você pratica?
Curiosa essa caminhada pela Espiritualidade. Em alguns momentos, chegamos mesmo a duvidar de que tudo que começa a se desvelar a nossa frente a partir da prática seja real.
Nas situações mais cotidianas é que percebemos o budismo em nós. Também por isso é que precisamos nos ater à simplicidade de nossas vidas para manter distantes certas inquietações da modernidade.
Ao terminar uma aula, outro dia, um aluno me perguntou sobre a meditação:
“Por que você faz isso? E para quê?”
Poderia ter dado a ele uma bela resposta clichê, dessas que ninguém gosta de receber, mas que abundam atualmente. Poderia ter “escapado” com algo mais metafísico, próprio de alguns ambientes avançados de reflexão e dos estudos do Dharma.
Mas não: emudeci. Silenciei. Não gosto de respostas prontas ou apressadas. Fiquei temeroso pela pequenez que eu poderia transmitir com palavras ansiosas. Aquelas questões incitaram em mim muito mais silêncio que qualquer necessidade de resposta.
Acabei sendo ajudado pelo alarme no smartphone, indicando que outra aula se iniciava e que uma turma estava a minha espera. Pedi licença; no fundo, não para o aluno, mas sim para o silêncio, para que nele pudesse buscar algo digno de ser dito. Drummond disse “Convive com teus poemas antes de escrevê-los”. Convivendo com a dúvida, notei que ela é terreno fértil de possibilidades e então, nesse momento, fui conduzido a uma esfera muito peculiar de memórias.
Lembrei-me das tardes nem sempre ensolaradas de minha infância simples, em que, desobedecendo aos apelos de minha mãe, roubava uma fatia de pão ainda quente, mal saído do forno. Uma época em que eu e os amigos dessa infância nos divertíamos muito brincando com a “nossa piscina” de água da chuva, em forma de poça, na qual só cabia um de nós, enquanto os outros esperavam por sua vez, rindo e celebrando, compartilhando a alegria da existência.
Além dos pães maravilhosos que prepara até hoje, Dona Vera (à benção, minha mãe), preparava, vez por outra, um bolo de fubá, sonhos e bolinhos de chuva, artigos de luxo, para receber suas amigas do Círculo do Livro ou mesmo para uma reunião de “Tupperware”. A conversa começava sempre no início da tarde e terminava quase na hora do jantar. Tinham um tempo juntas, semanalmente! Coisa raríssima e muito cara (sim, “cara”, intencionalmente ambíguo aqui) hoje em dia!
E as idas ao banco? Não havia internet nem caixas eletrônicos…e era ótimo. Conhecíamos os funcionários e os tratávamos com a dignidade e o respeito que mereciam. A mesma coisa com o padeiro – “seu” Pedro, com o farmacêutico – grande “doutor” Antonio e com o carteiro, os garis, o borracheiro. As nossas relações e nossa vida eram mais artesanais e mais elaboradas, como a receita daquele tal bolo de que falei há pouco. “Coisa feita em casa tem sabor mais agradável.”
Relações que eram cultivadas, regadas e alimentadas com respeito. Hoje, é difícil saber o que tem acontecido com a humanidade. A era industrial e tecnológica parece ter nos transformado em máquinas.
Na fila, as pessoas ficam impacientes, o clima se torna hostil e não há gentileza nem troca. Aquele bom-dia sem olho no olho que não é bom pra ninguém: nem para quem dá e nem para quem ouve. Aliás, não ouvimos o outro. Não olhamos o outro. Estamos sós.
E solitários andamos, trabalhamos, comemos e ficamos…massificados e reduzidos a quase nada. Os sorrisos se tornaram clichês e obrigações de cordialidade. Sorrisos de quem não quer sorrir. Muito triste isso.
A doença da modernidade, que atinge milhões, talvez bilhões (já que somos 7 neste planeta) é a “crise da impaciência adquirida”. Pernas e pés inquietos tremulando, unhas roídas, carcomidas e dedos nervosos nos joguinhos de celular. Doença triste, silenciosa, mata sem que se perceba.
E mata não somente o doente, mas também seu “alvo” em um momento de crise. “Crise? Como assim?”
Aham, uma crise que ocorre no trânsito, na fila do cinema, no supermercado, na fila do check-in no aeroporto e é altamente contagiosa nos grandes centros. A epidemia se alastra. Não não, isso é pleonasmo; afinal, só é epidemia porque se alastra. Melhor mesmo seria chamarmos pandemia, já que acomete o mundo todo, tal qual o mais assustador dos vírus.
Buda já dizia que paciência é uma das mais altas virtudes. Uma dica velha – mas sempre atual – cuja lembrança se faz urgente neste momento.
Esquecemos que a experiência sagrada da vida se faz a cada instante, como diz genialmente Leonardo Boff: “A experiência do mistério não se dá apenas no êxtase, mas também, cotidianamente, na experiência de respeito diante da realidade e da vida. A mística não é o privilégio de alguns bem-aventurados, mas de uma dimensão da vida humana à qual todos têm acesso”.
Mas, como perceber o sagrado, se estamos tão envolvidos com pequenas coisas do cotidiano que nos aprisionam? É na simplicidade que nos encontramos e podemos partilhar a plenitude do Universo. Isso é o Dharma! Isso é iluminação!
Talvez eu pratique unicamente para ser humano, mais humano, no significado mais profundo que essa palavra possa ter. Talvez, para curar a complexidade, sendo e vivendo o simples. Talvez para esculpir na argila da vida obras de amor, de paz, de generosidade, fraternidade e tolerância. Talvez, para que possa sempre olhar nos olhos. Talvez, para que o sorriso seja de franqueza. Talvez, para me libertar dos vagos e ardilosos sentidos que na maior parte do tempo nos aprisionam. Talvez, para dar sabor mais agradável à vida, como o bolo e os pães feitos em casa. Ou ainda, quem sabe, para comungar o ideal de um mundo mais justo…para que nossos encontros engrandeçam a nossa jornada.
Era essa a resposta que queria dar àquele aluno. Mas o tempo, implacável e senhor de tudo, me venceu. Por isso é vital meditar, para vivenciarmos o poder do agora.
Medite!
TUDO COMEÇA HOJE!
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